***22 anos de Magistério****

sexta-feira, 1 de julho de 2011

FÓRUM DAS ENTIDADES NEGRAS DE LONDRINA – FENEL

Peço a contribuição de tod@s para que consigamos fortalecer a reivindicação de que esse material terrível, em todos os sentidos, seja retirado o mais rápido possível do alcance de nossas crianças.

Às/aos representantes de entidades, professores/as, intelectuais e ativistas sociais peço que que emitam parecer sobre esse material e verifiquem se no  seu município  ele é utilizado. A professores/as, em especial, peço que conversem em a direção da escola e recolham esses livros enquanto aguardamos a ordem do Ministério Público.

Após 15 anos trabalhando na Rede Pública de Educação posso garantir que nunca vi livros tão ruins. São terríveis em todos os aspectos possíveis: nos textos mal construídos ou copiados da internet; nas imagens desfocadas e/ou descontextualizadas; no uso ortográfico da Língua Portuguesa, bem como na pontuação, concordância verbal, nominal, no uso de repetições, etc, etc. Mas, sobretudo, é terrível na medida em que destrói a história negra. Tem por base o conhecimento sedentário do senso comum racista à brasileira e seu parente mais próximo: o não conhecimento, a ignorância.

Estive muitas vezes a ponto de passar mal ao tentar analisar esse material - digo tentar porque precisaria de umas cem páginas apenas para descrever tantos absurdos da coleção composta por 5 livros. Decidimos no FENEL - Fórum das Entidades Negras de Londrina, apresentar no parecer apenas alguns exemplos dos problemas mais graves. Após protocolar no Ministério Público o pedido de reconlhimento, estamos confiantes que seja feito o mais rápido possível, mas ainda tristes: o suor do trabalho negro é usado para constituir impostos investidos na deseducação e no desrespeito a nossa história.

Leiam o parecer, divulguem, emitam seu parecer. Nos ajudem nessa luta contra a ignorância e o racismo.

Um abraço,

Maria Evilma Alves Moreira, professora.

Segue o parecer:

FÓRUM DAS ENTIDADES NEGRAS DE LONDRINA – FENEL
PARECER DO FENEL – FÓRUM DAS ENTIDADES NEGRAS DE LONDRINA, SOBRE A COLEÇÃO VIVENCIANDO A CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA. Gleisy Vieira Campos (et al). São Paulo, SP: Ed. Ética do Brasil, 2010.

            A Lei 10639/03,  que institui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira em toda a educação básica nacional,  a inserção dos conteúdos referentes a história e cultura afro-brasileira no âmbito de todo o currículo, no seu Artigo primeiro determina “O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.” Com base nessa perspectiva, posta pela referida Lei, o FENEL – Fórum das Entidades Negras de Londrina, atendendo a solicitação de educadores/as incomodados/as com os problemas explicitados nesse material, analisou os cinco livros que compõem a Coleção Vivenciando a Cultura Afro-Brasileira e Indígena, adquirida pela Prefeitura Municipal de Londrina para toda a rede municipal de educação.
            É possível perceber logo nas primeiras páginas, de cada um dos volumes, problemas latentes, tanto de ordem estrutural (coesão e coerência textual, uso da pontuação, ortografia, concordância verbal e nominal, sequência, didaticidade ou relevância pedagógica dos exercícios propostos, etc.), quanto de ordem conceitual (ausência de glossário de termos complexos ao entendimento infantil, equívocos graves sobre os conteúdos propostos) e referencial (citação dos autores utilizados, referência e legenda das imagens utilizadas, coerência científica no uso das fontes de pesquisa, etc.). São tantos os equívocos e as deficiências dessa Coleção que nos deteremos a listar aqui apenas alguns exemplos dos mais graves, a fim de tornar esse parecer mais objetivo:
- É possível identificar a teoria do embranquecimento, da miscigenação e do racismo cordial, alternada com textos que as contradizem sem conceituação ou qualquer recurso que permita aos leitores discernir tais posicionamentos teóricos, atravessados por estereótipos. De modo geral,  a Coleção apresenta a ideologia da democracia racial, do racismo cordial, que possibilitou a mistura, a miscigenação, instaurada na nossa sociedade, mas amplamente questionada por pesquisas do sociólogo Florestan Fernandes e outros estudiosos da temática. É possível identificar uma visão etnocêntrica referente a diversidade étnico-racial, em que a cultura européia  “branca” aparece como superior e evoluída enfatizando sempre as expressões  “cultura deles” e a “nossa cultura”. Tais estruturas podem construir a impressão de que o material deve ser utilizado por crianças brancas (“nós”), que devem se aproximar do exótico (“eles”, o “outro”).
Aspectos  de opressão relativos a negros e indígenas são amenizados, desde o processo de colonização.  São excluídos sistematicamente os conhecimentos produzidos no continente africano antes da colonização, tecnologias, impérios, ciência, etc. É desconsiderada a existência dos povos africanos no período anterior a colonização européia, construindo a impressão de que a história africana se inicia a partir da presença dos colonizadores europeus.
- “... a mistura é como uma salada...” (1o ano, p. 12)
- “ No Brasil, o homem índio casou-se com uma mulher negra, a mulher branca casou-se com um homem negro e, assim, a mistura começou”. (1o ano, p. 18)
- “... ‘Misturô
Com os índios da terra,
Com o negro aprisionado,
Com o branco invasor.” (1o ano, p. 19)

- A história da África é omitida, da mesma forma que os conhecimentos e tecnologias de origem africana. Essa postura teórica constrói o efeito de que não existem história ou saberes africanos antes da chegada dos europeus, ou que tais saberes se restringem a algumas manifestações culturais, às características fenotípicas e à culinária. De acordo com o que é apresentado, a história dos negros se inicia na escravidão.
Em nem um dos volumes há apresentação da África como continente, de modo que sejam citados países africanos, com especificidades culturais, geográficas ou humanas, mas sim situações generalizantes em que pessoas ou objetos simplesmente são definidos como africanos. Chega-se ao cúmulo de, no livro do 5o ano, p. 12, o continente africano ser definido como um país:
“A música abaixo traz uma riqueza de conhecimentos sobre a África, país de nossos ancestrais.” (5o ano, p. 12)
As contribuições africanas são descritas como se fossem restritas a alguma participação na cultura (religião, danças, música, culinária) e na definição de traços fenotípicos (cor da pele e cabelo).
Não são apresentados jogos ou brincadeiras de matriz africana, ao contrário, apresentam em vários momentos brinquedos de sucata, reforçando a ideia de inferioridade étnico -racial, como se negros e indígenas não tivessem a possibilidade de criar brinquedos e por isso,  copiassem os brinquedos de “ nossa cultura”, ou da cultura branca mais evoluída, utilizando objetos velhos, descartados. (p. livro 2)
- A referência bibliográfica dessa coleção é composta basicamente de pesquisas realizadas na internet. Muitos textos foram copiados integralmente.  Apesar dos séculos de conhecimento científico acumulado em livros, artigos, entre outras fontes, e da premissa que o objeto de trabalho da escola é o conhecimento científico relacionado ao conhecimento empírico e as demais formas de construir o saber, ao verificarmos a bibliografia, em todos os volumes, percebemos que as fontes consultadas foram na absoluta maioria sites de pesquisa rápida, inclusive páginas de relacionamento pessoal (do tipo blog, ou diário virtual) da rede mundial de computadores:
PRIMEIRO ANO (80% da pesquisa em fontes da internet, cerca de 40% em páginas de relacionamento):
- 02 (dois) possíveis livros sobre os quais não há referência de ano, data, editora, nem local de publicação.
- 16 (dezesseis) referências de páginas da internet. Dessas, 08 (oito) são blogs, que podem ser definidos como diários virtuais em que pessoas postam matérias e opiniões de seu interesse, informalmente, sem nem uma exigência científica.
SEGUNDO ANO (mais de 85% da pesquisa em fontes virtuais):
- 03 (três) livros.
- 18 (dezoito) referências de páginas da internet. Dessas, 02 (duas) são blogs.
TERCEIRO ANO (70% da pesquisa em fontes virtuais, 11% em sites de relacionamento pessoal):
- 06 (seis) livros.
- 14 (quatorze) referências de páginas da internet.
QUARTO ANO (Mais de 50% da pesquisa em fontes virtuais):
- 08 (oito) livros.
- 11 (onze) referências de páginas da internet.
QUINTO ANO ( Mais de 50% da pesquisa em fontes virtuais):
- 08 (oito) livros.
- 11 (onze) referências de páginas da internet.

- Praticamente todas as imagens com baixa resolução, desfocadas, muitas sem legenda, sem referências de autor, data, ou contexto e, devido a falta de qualidade de impressão, algumas são indecifráveis. Além disso, muitas imagens reforçam estereótipos, preconceitos e situações de humilhação e sofrimento de negros/as subjulgados/as a pessoas brancas. Outra incoerência que ocorre sistematicamente é o fato de que, em diversas situações, é impossível relacionar a imagem ao texto que a antecede ou sucede e, não raras vezes, a imagem contraria o texto.
A página 103 do livro do 3o ano, apresenta um fato didático absolutamente lamentável: a imagem de um menino branco urinando em um menino negro. Esta imagem, por si só, invalida toda a Coleção pela sua brutalidade. Mostra, numa ilustração que ocupa quase toda a página, um menino branco urinando, de pé numa cama, sobre um menino negro inerte, “protegido” por um Cristo na cruz! Esta imagem tem como legenda “explicativa”: “A PRESENÇA E A PARTICIPAÇÃO DO NEGROS EM OBRAS LITERÁRIAS ESTEVE SEMPRE ASSOCIADA A IMAGENS DE ESCRAVIDÃO, TRISTEZA, DOR, SOFRIMENTO E HUMILHAÇÃO. OBSERVE A IMAGEM ABAIXO:” É isto, sem maiores comentários (além dos erros de concordância...) ou críticas, a afirmativa “normalizando” a afirmação como se esta situação fosse “comum”; e, mesmo quando se refere, em baixo, à mudança da literatura brasileira que “RECUPERA A DIVERSIDADE DE VOZES PRONUNCIADAS NA MATRIZ CULTURAL BRASILEIRA”, os exemplos dos escritores negros estão nas páginas seguintes (Solano Trindade e Alzira Rufino), sem maiores explicações de quem são, de onde são: aparecem apenas em fotos PB e com uma poesia para cada um. Mas esta chamada para autores negros que podem mudar a situação de extrema violência representada pela imagem da pg. 105 fica anulada pela repetição da mesma imagem, logo na pg. 107, colocada ao lado da ilustração de capa do livro Pai João Menino, que mostra o negro infantilizado, ao lado de um jumento, seu “companheiro”, retomando o estereótipo do “negro bom”, “humilde” e “engraçado” – estas duas imagens, são a chamada de um exercício de fixação, que tem o seguinte cabeçalho: “O QUE VOCÊ ACHA DAS IMAGENS APRESENTADAS EM LIVROS DE LITERATURA? COMO OS NEGROS APARECEM NESTAS IMAGENS? POR QUE VOCÊ ACHA QUE ELES APARECEM DESSA FORMA?” Novamente, sem qualquer indicação crítica ou de desaprovação.

                      


Sabendo que a criança do 3º. ano terá em torno de     09 anos e, de acordo com Piaget, está na fase das operações concretas, a partir das quais reorganiza o pensamento para ver o mundo com mais realismo, construindo as classificações que irão embasar os conceitos básicos e a compreensão do mundo, interiorizando as regras sociais e morais, adquirindo valores e estabelecendo os espaços de pertencimento – e sabendo que a imagem, principalmente para a criança atual, é fundamental na construção do processo cognitivo – podemos concluir, com certeza, que esta imagem, reforçada pela repetição e fixada no “exercício” terá uma influência profundamente perversa, tanto para a criança branca que se verá “empoderada” através da humilhação mais cruel, quanto para a criança negra que, através desta mesma violência, se verá reduzida ao lugar “de sempre” da aniquilação.

Esta imagem, absolutamente hedionda, é mais do que suficiente para colocar toda a Coleção Vivenciando a Cultura Afro-Brasileira e Indígena como uma ferramenta de deseducação, de incentivo ao Racismo e ao bullying, que a Escola Fundamental não merece e que a sociedade brasileira precisa rejeitar completamente. Mas o Livro do 3º. ano apresenta ainda outras imagens e colocações bastante problemáticas.

Não há nessa Coleção nem uma imagem em que crianças negras apareçam estudando ou com livros. Também não há imagens que indiquem pessoas negras em profissões prestigiadas socialmente, ligadas ao conhecimento científico e à tecnologia.

Em todos os volumes, é possível verificar nas imagens a perspectiva do branqueamento (gradual) e da miscigenação (que tem como resultado o branqueamento) como solução para a cor negra,  o que é reforçado com textos como no poema “A Borboleta” (3o ano, p. 13) que narra a história de uma borboleta que morreu de mágoa ao perceber que era preta e parda e, portanto, feia; a história é resolvida quando Deus dá outra cor à borboleta.
É possível notar também nas imagens animalização de negros e de indígenas:
- Ilustração esdrúxula de indígena. (1o ano, p. 36)
- Ilustração esdrúxula de mulher africana. (1o ano, p. 64)
- Ilustração de africanos como macacos. (4o ano, p. 12)
- Ilustração de indígena em que se pode ler: “Salve a natureza! E a nós também!” (5o ano, p. 64).
No livro do 4o ano, a ilustração de menino negro acorrentado, de cabeça baixa e chorando. Denota passividade, sofrimento e humilhação, contrariando o título que precede a imagem: “Memória afro-brasileira e indígena – sinônimo de resistência e luta”. (p. 35).
- Ausência de glossário com palavras chave, necessárias para mínima conceituação de alguns termos específicos da discussão enticorracial. Palavras como negros, afrodescendentes, afro-brasileiros e afro-indígenas são utilizadas de forma alternada, sem conceituação ou critério que permita a criança leitora condições de vislumbrar tais escolhas lexicais e as implicações que cada uma tem. Termos complexos à compreensão infantil como “dispersão étnica”, “homologação”, “donatário”, etc., simplesmente aparecem no texto sem contextualização.
- Erros grosseiros, possivelmente resultado da falta de revisão ortográfica, ou de edição. São sistemáticos erros na utilização da vírgula, contrariando normas básicas da escrita ao separar com vírgula sujeito e predicado ou utilizá-la após E, quando essa é aditiva. Vários erros de concordância verbal e/ou nominal comprometem a compreensão e o aprendizado de regras básicas da escrita e de  regularidades ortográficas, além dos absurdos conceituais que são incontáveis:
“... aprizionados...” (1o ano, p. 53)
“... cresimento...” (1o ano, p. 54)
“Os índios foram às primeiras pessoas a habitar o Brasil, mas isso já tem muito tempo... Eles viviam de forma bem diferente de como vivemos, assim como os africanos trazidos da África, esses dois povos tinham uma maneira própria de viver e, é isso que vamos aprender aqui.” (2o ano, p. 11)
“... Mas hoje poucos grupos ainda vivem dessa forma, porque devido à aproximação e das mudanças trazidas de outras culturas, eles começaram a experimentar as mudanças e a conviver com as diferenças”. (2o ano, p. 13)
Assim, durante muito tempo, os índios viveram.” (2o ano, p. 13 – parágrafo de início de um capítulo: não há descrição de como seria esse “assim” que os indígenas viveram).
“... Eles chegavam em navios chamados de ‘navio negreiro’, vindos da África.” (2o ano, p.20)
As crianças indígenas aproveitam o que a natureza oferece e, transforma tudo em diversão.” (2o ano, p. 32)
As crianças é quem mais aprendem com tudo isso.” (2o ano, p. 45)
Os africanos também buscavam respostas para o que ainda não conseguiam entender, principalmente em relação às ações da natureza, como a chuva, o sol, a lua e as plantas e, assim como os índios, nos deixou muitas histórias misteriosas.” (2o ano, p. 49)
“... essa cultura vem de muito antes de você nascer, veem das comunidades e pessoas mais velhas.” (2o ano, p.57)
“Vai um chazinho ai?” (2o ano, p. 58)
“Tudo isto, sem dúvidas, são contribuições da cultura africana e indígena, mas é importante completar o pensamento e enxergar os múltiplos significados que infiltra cada uma dessas manifestações.” (3o ano, p. 11)
“A cultura afro-indígena brasileira é herdeira de grande beleza e peculiaridade singular.” (3o ano, p. 11)
“Represente por meio de desenhos, as heranças de origem africana e indígena e, que hoje fazem parte da cultura brasileira e estão presentes no nosso cotidiano.” (3o ano, p. 12)
“Na verdade a tradição oral faz parte do nosso dia a dia e, tem suas raízes na cultura afro-indígena” (3o ano, p. 14)
“... os não índios utilizam o quê para esta mesma função? (3o ano, p. 27)
“... fazendo com que o povo viva a comunicação em todos os seus seguimentos” (3o ano, p. 29)
Existe um repertório grande de danças e ritmos brasileiros de origem africanas e indígenas” (3o ano, p. 40)
“Faça uma pesquisa sobre a história de sua família. Procure saber quem foi os pais dos seus avós...” (4o ano, p. 15)
Pesquise em livros, revistas, internet ou pessoas...” (4o ano, p. 21)
“... O que tem haver com o princípio da intolerância?” (4o ano, p. 58)
“... Várias músicas marcaram época e alcançaram o topo na lista de sucesso das rádios: Peter Tosh e Bob Marley.” (4o ano, p. 71)
“A nossa identidade brasileira, é constituída pelos povos africanos que vieram para o Brasil como escravos...” (5o ano, p. 11)
“... neste sentido é que dizemos que nossa origem é afro-brasileira; e pelos indígenas.” (5o ano, p. 11)
“A música abaixo traz uma riqueza de conhecimentos sobre a África, país de nossos ancestrais.” (5o ano, p.12)
Fazer leitura do livro ‘O menino marrom de Ziraldo’, conheça mais sobre identidade.” (5o ano, p. 15)
“Um autorretrato é um retrato, uma imagem, que o artista faz de si mesmo.” (5o ano, p. 24)
Senso” (estatístico) (5o ano, p. 37 e 38 – no título e no texto).
Autodeclarar-se então, deve ser motivo de orgulho em declarar: ‘sou negro ou negra, sou índia ou índio’...” (5o ano, p. 37)
“... o aluno deve se declaram como negro ou pardo...” (5o ano, p. 68)
“bloco-afro” (5o ano, p. 80)
Que frase no texto, o autor reconhece que somos descendente dos índios?” (5o ano, p. 99)
- Equívocos conceituais absurdos, que comprometem a compreensão e induzem a erros graves. Não foi realizada uma padronização dos conceitos utilizados na Coleção o que ocasiona que um livro, ou um capítulo, refira-se a negros, outro a afrodescendentes, outro a afro-brasileiros ou ainda a afro-indígenas.
Outro problema grave é que, especialmente no livro do 3o ano, são utilizadas expressões como “origem africana e indígena”, “povo africano e indígena”, intercaladas com  “afro-indígena”, que podem construir a impressão de que povos africanos e indígenas vieram (ou foram trazidos) do mesmo espaço geográfico.
Nessa perspectiva, é gravíssima a afirmação de que há uma “língua afro-indígena” (3o ano, p. 14), pois conduzem à crença errônea de que há no Brasil uma língua falada apenas por “afro-indígenas”. Não existe CULTURA AFRO-INDÍGENA. Existem culturas de matriz africana e de matriz indígena. E cada uma dessas matrizes diz respeito a povos muito diversos e a culturas muito variadas.
Reduzir todas as culturas e histórias afro-descendentes e indígenas a uma única CULTURA AFRO-INDÍGENA. Além de estar errado, é uma forma de diminuí-la.

O processo de escravização é apresentado de forma que, ora ameniza a situação compactuando com teorias da miscigenação, ora naturaliza a suposta inferioridade negra, explicitando o papel de escravo como umbricada à sua origem e identidade:
“Você já sabe que ocorreu a união entre pessoas negras, índias e brancas. Dessa união originou a nossa diversidade.” (1o ano, p. 36)
“O Candomblé é uma religião africana trazida para o Brasil no período em que os negros chegaram para serem escravos.” (1o ano, p. 73)
“Crianças brancas e negras andavam nuas e brincavam até os 5 ou 6 anos de idade. Aos 7 anos a criança negra assumia seu papel de escrava.” (2o ano, p. 24)
“A nossa identidade brasileira, é constituída pelos povos africanos que vieram para o Brasil como escravos.” (5o ano, p. 11)
“Na luta pela liberdade, o escravo afro-brasileiro escreveu uma história de luta e determinação.” (4o ano, p. 34)
“Ao longo de sua história na América, os afrodescendentes optaram por várias religiões.” (5o ano, p. 52)
Na página 34 do livro do 4o ano, a organização dos parágrafos, o paralelismo de estruturas,  pode sugerir que o atual presidente dos Estados Unidos é afro-brasileiro, pois tanto o contexto que antecede quanto a sequência do texto tratam de afro-brasileiros e nessa confusão, parece ao leitor desavisado que é uma referência a Barack Obama, que seria brasileiro.
O livro do 2o ano, provoca uma confusão que beira o risível ao apresentar duas imagens (p. 79 e p. 81), de uma cantora, da Banda Calypso, como representante de uma dança indígena. É sabido que muitos artistas, dos mais variados estilos, utilizam representações da cultura indígena, mas visibilisar um deles preterindo um representante indígena causa, no mínimo, estranhamento.
A página 13, do 3o ano é uma das mais perturbadoras Na parte de cima, existe um texto que reconhece que AINDA EXISTE MUITO PRECONCEITO com O POVO AFRICANO E INDÍGENA e, para estimular a reflexão e discussão sobre este fato é apresentado o seguinte poema:

A BORBOLETA

DE MANHÃ BEM CEDO
UMA BORBOLETA
SAIU DO CASULO
ERA PARDA E PRETA

FOI BEBER NO AÇUDE
VIU-SE DENTRO DA ÁGUA
E SE ACHOU TÃO FEIA
QUE MORREU DE MÁGOA.

ELA NÃO SABIA
- BOBA - QUE DEUS
DEU PARA CADA BICHO
A COR QUE ESCOLHEU

UM ANJO A LEVOU,
DEUS RALHOU COM ELA,
MAS DEU ROUPA NOVA
AZUL E AMARELA

É difícil imaginar algo mais cruel para ser dito a uma criança PARDA E PRETA: que é “natural que ela se ache TÃO FEIA, que morra de MÁGOA. Mas, uma vez morta por se julgar feia e inadequada, ainda leva bronca de Deus que, no entanto, para consolá-la, lhe dá uma roupa nova (esta, sim, implicitamente, bonita): ROUPA NOVA AZUL E AMARELA. Talvez uma relação com a loura e dos olhos azuis. Esse texto é absolutamente  cruel, preconceituoso e nefando.

A explicação que justifica a existência de Movimentos Sociais constrói um imaginário estigmatizado e errôneo: “Eles existem para organizar populações pobres e reivindicar algum direito ou recurso.” (5o ano, p. 48)
Contudo, a definição do que seria o Movimento Social Negro merece especial atenção por, além de estigmatizar, criminalizar as organizações negras:
“Movimento negro (MN) é o nome genérico dado ao conjunto dos diversos movimentos sociais afro-brasileiros, de cunho racista, particularmente aqueles surgidos a partir da redemocratização pós-segunda guerra mundial, no rio de Janeiro e São Paulo.” (5o ano, p. 78)
Numa primeira leitura, alguém pode acreditar em mais um erro de digitação. Entretanto, na sequência do texto, vários termos caracterizam negativamente o Movimento Negro, como “clandestinos”, “radical”, “insurreições” demonstram a defesa e que realmente a temática desse movimento é racista e de ameaça à ordem. Tal defesa desqualifica parte de história da população negra brasileira, representada por ações do Movimento Social Negro no enfrentamento do racismo e não na prática racista, como afirma o texto.
No Brasil, o preconceito racial e a discriminação não são explícitos, mas, pelo contrário, marcados por sorrisos e desculpas que definem a Democracia Racial, construindo sempre desculpas para mostrar a cultura e a história negra como um folclore – como no Livro 4, na pg. 42, a estátua de Zumbi tem como legenda: “No Brasil, Zumbi significa um fantasma que, segundo a crença popular afro-brasileira, vagueia pelas casas a altas horas da noite. É também conhecido como um ser morto-vivo.” Um folclore ou um susto... além, é óbvio, dos erros de informação. Desta forma, a Coleção se presta ao manejo já viciado de “dizer” que a cultura de matriz africana tem valor, mas circunscrever este valor aos aspectos mais “divertidos e folclóricos” da sociedade. Para o negro sobra o lugar de pagodeiro, de jogador – os negros importantes, aliás, são todos, americanos ou africanos: Mandela, Obama, Whoppi Goldeberg, Malcon X, Luther King; a única exceção é João Cândido, nunca existiram Lélia Gonzáles, Luiz Gama,  Milton Santos, Abdias Nascimento ou qualquer outra personalidade negra brasileira ilustre.

 - Propostas de atividades incompreensíveis, incoerentes e/ou sem objetivo didático. Várias atividades solicitam aos alunos pesquisas que reforçam situações de preconceito. A relevância das atividades propostas pode ser questionada em toda a coleção, mas certamente solicitar que situações que visibilizam preconceitos e discriminação só contribuirão negativamente no ambiente escolar.

- Os conteúdos são apresentados de forma fragmentada, sem relação com os demais conteúdos curriculares, contrariamente ao que institui a Lei 10639/03.













CONCLUSÃO
Pelo exposto, que são fragmentos dos muitos problemas revelados na Coleção Vivenciado a Cultura Afro-Brasileira e Indígena, fica explícito o conteúdo nocivo ao aprendizado dos alunos da Rede Municipal de Londrina.
O uso de tal material com crianças de 6 a 10 anos de idade, além de prejudicar as relações étnico-raciais, estabelecendo valores preconceituosos baseados no senso comum, negligencia saberes básicos da aquisição da escrita da Língua Portuguesa e dos conhecimentos científicos. Além disso, pode ocasionar traumas e auto rejeição de crianças negras e indígenas, da mesma forma que pode contribuir para que crianças brancas construam um sentimento de superioridade aos demais grupos étnico-raciais.
A Coleção está repleta de “equívocos”, alguns mais ambíguos e outros, igualmente trágicos (como o texto sobre o cabelo negro, 1o ano, p. 80). Mas, o pior problema da Coleção é que, na sequência dos temas e na apresentação das imagens, o negro é constantemente colocado na posição de quem tem como única contribuição, para a civilização humana, a dança folclórica, a música de percussão, a comida, a capoeira, tendo, inclusive, a sua arte qualificada como primitiva e sua escrita comparada às garatujas infantis. Qualificar o negro como o ser do lúdico, do ritmo e do batuque, significa retomar a ordenação racial proposta pelas teorias racialistas do séc. XIX/XX: o branco como o ser da autoridade e da inteligência; o amarelo como o ser da mística e o negro como o ser do lúdico. Cada “raça” ocupando seu nicho, cada qual no seu “degrau evolutivo”, sendo, é claro, o negro percebido como um ser infantil, incivilizado e primitivo.

A ausência de imagens nas quais crianças, jovens ou o adultos negros sejam mostrados lendo, estudando ou no exercício de uma profissão liberal – todas as imagens (algumas são até belas e sorridentes, embora sempre desfocadas) são de um ser humano “natural” destituído de uma inclusão social mais valorizada. Quando, no Livro 4, na pg. 96, se cita o artigo 62, contra a discriminação racial, aí a imagem do negro é cabisbaixa e triste.

Desta forma, a Coleção se presta ao manejo já viciado de “dizer” que a cultura de matriz africana tem valor, mas circunscrever este valor aos aspectos mais “divertidos e folclóricos” da sociedade. Para o negro sobra o lugar de pagodeiro, de jogador de futebol ou do marginalizado, mas, sempre “alegre e feliz”... Esta forma de “qualificar” as pessoas negras, negando-lhes sua história, omitindo a violência que sofreram, minimizando os movimentos de resistência, descontextualizando suas realizações artísticas e suas crenças religiosas, “naturalizando” sua humilhação e sofrimento, é a forma “cordial” de discriminar, de não-respeitar, de incluir as pessoas apenas no lugar da inferioridade – fazer isto com figuras coloridos e adjetivos como “bonito”, “gostoso”, “interessante”, “forte”, não resolve nada: apenas mascara a exclusão e dificulta/desautoriza a revolta contra o preconceito.

Esta Coleção contem erros abomináveis, ambigüidades absurdas, mas, acima de tudo, é um instrumento de aniquilação do espírito de uma criança negra que, submetido a ela, jamais se verá como capaz de ir para uma universidade ou ser qualquer outra coisa que um cantor – não estamos menosprezando esta profissão nem, muito menos, diminuindo a importância da música negra como instrumento de resistência – mas percebendo que colocá-la como único nicho de realização profissional é insultar a música e os músicos negros e limitar as possibilidades de sonho e realização das crianças negras.

Pelos motivos expostos, solicitamos ao Ministério Público, ao Conselho Municipal de Educação e à Secretaria Municipal de Educação que a  COLEÇÃO VIVENCIANDO A CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA (2010) seja recolhida imediata e urgentemente para evitar danos à formação das crianças estudantes da rede municipal.








Comissão de Avaliação do FENEL – Fórum das Entidades Negras de Londrina.












Londrina, 21 de junho de 2011.

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